Telepatias Voltaikas - Capitalismo e o mercado dos Quadrinhos

Você e a Indústria das HQs, nunca uma foto disse tanta verdade...
E aí minha gente, se divertindo muito lendo as paradas nérdicas do Cérebro Voltaiko? Ou estão perdendo tempo postando meme na internet sobre o caso do roubo do ciclista carioca? Ahehe, abre o olho heim...

Bom, espero que tenham gostado do post anterior. E hoje para a seção Telepatias Voltaikas, trazemos um textículo (vamos lá, resista) sobre o mercado dos quadrinhos.


O colecionador de quadrinhos e a biblioteca do pobre

Por: Linck

A piada já está manjada. O site Mercado Livre tornou-se Mercenário Livre. Muitos reclamam do preço exorbitante sendo cobrado por edições não tão raras assim. Alguns aludem à uma ética não muito clara do “preço justo”. Na esteira do mesmo comportamento a Comix, principal comicshop brasileira, famosa por sua bagunça (falo com bastante conhecimento de causa), adotou o mesmo princípio. Superman n° 1, lançada em agosto de 2012, menos de dois anos atrás, de R$ 6,60 foi para R$ 49,90.



Isso me lembrou do mercado de quadrinhos americanos no início dos anos 1990, onde uma série de fatores produziu uma super-valorização e subsequente estouro da bolha especulativa. Os diversos fatores históricos são assunto para outro post, porém cabe citar, hoje, que dois deles foram as comicshops aumentando o preço das edições conforme se tornavam mais escassas e os especuladores revendendo suas edições de poucos dias pelo dobro ou triplo do preço. Após a constatação desse delírio, o mercado entrou em recessão.

Não que estejamos vivendo exatamente o risco de um colapso no Brasil, contudo, me interessa analisar aqui as motivações para esse comportamento. O primeiro, sejamos honestos, é ganância. E como estamos sendo honestos também não sejamos moralistas: não há, a princípio, nada de errado com a ganância. Porém, por onde essa ganância encontra circulação? Quero dizer, de que forma essa ganância acha um lugar na compra e venda de histórias em quadrinhos?

A resposta exige franqueza. Ocorre que o colecionador de quadrinhos, eu inclusive, é, na sua grande maioria, um sujeito bastante neurótico. Com fixação por completude, o colecionador é uma presa fácil. E isso piora quando esse ímpeto se junta à nostalgia (“Ah, os gibis da minha infância”) ou ao fetiche (“Nossa! Aquela rara edição capa-preta da morte do Super-qualquer-coisa!”). O fato, por vezes triste, é que o colecionador de quadrinhos é o zelador da biblioteca do pobre.

Mas o que é a biblioteca do pobre? É aquela biblioteca onde os livros perderam grande parte de sua potência. É como se as letras parassem de dizer múltiplas coisas, os desenhos de se disseminarem em emoções e, por fim, só restasse o prazer de ter aquela materialidade da obra repousada na estante. Ao contrário de potência, de poder-vir-a-ser próprio de toda arte, o livro torna-se qualidade, predicação fechada, com rótulo e função. No caso, do prazer aquisitivo e somatório.

Como exercício olhemos o mundinho nerd da internet. Qualquer blog mal-escrito de notícias de lançamentos tem muito mais acesso do que um de resenhas ou críticas (não, não estou ressentido, quando criei o QnS já sabia disso). Notem a especulação em cima de filmes e séries, da cobertura quase que diária de obras que só estrearão daqui à dois anos. O impressionante não é esse comportamento, mas a pobreza que o sucede. Depois que o material em questão sai, os comentários são minúsculos, resumem-se ao gostei e não gostei, à exigência infantil do que “deveria ter” na obra ou a atribuição de notinhas na brincadeira de ser um professor de 1ª série. Com os quadrinhos não é diferente, talvez com alguns clichês formais um pouco mais rebuscados, mas o debate por hábito é geralmente uma sucessão de adjetivos e só.

E assim, como na biblioteca do pobre aquilo só vale quase que exclusivamente por sua posse material, a maneira de conferir valor aos quadrinhos, de mascarar a pobreza de sua leitura praticada é o próprio estímulo ao único valor do material: seu preço em verdinhas. Agora, eis o pulo do gato, do por que comicshops e especuladores encontrarem espaço para desfilar sua ganância. O valor simbólico das HQs, na sua pobreza, se edifica em valorização no shopping do “qual o preço mais o frete?”. Pois se não existem leituras inteligentes a partir daquele material, conferindo-lhe algum significado, o que vai justificar o esforço e investimento em sua procura e conservação? Grana. 

Fetiche da mercadoria nérdica

É contra a biblioteca do pobre que me parece surgir algum tipo de posicionamento necessário aos colecionadores de quadrinhos. Longe de mim estar aqui propondo modelos ou soluções. Mas quem sabe se com uma biblioteca menos pobre o valor migre de lugar e não precisemos ser monetariamente ricos para comprar nossos gibizinhos?

A provocação deste texto, portanto, aos colecionadores é: não cabe a nós, como os bibliotecários da cultura dos quadrinhos, enriquecê-los por outras frentes? Esse é o convite.


*** 

Bom, é por esses e outros motivos que trouxe esse mini-texto para vocês. Já há certo tempo eu venho questionando qual é a importância, ou mesmo, a necessidade de colecionarmos quadrinhos nos dias atuais.

Claro que algumas questões tem que ser colocadas aqui. Primeiro, por que colecionamos qualquer coisa? Segundo, qual o valor daquilo que colecionamos? Terceiro, Por que deveríamos parar de colecionar?

Veja, colecionamos coisas por muitos motivos, mas com certeza, todos pessoais. Você poderia falar: "Ah, mas é lógico! Nunca vou colecionar coisas externas á minha vontade..." Ah, é mesmo? Faz um favor pra mim - Se você estiver em casa - Vai lá na cozinha e abre sua geladeira...

Percebeu? Você coleciona muitas coisas ao longo da vida, e nem todas por Hobby, você coleciona comida (bem não durável) por exemplo, por que faz parte da sua necessidade de sobrevivência. Agora, você não coleciona quadrinhos pelo mesmo motivo, apesar de serem com objetivos semelhantes.

Você coleciona quadrinhos por uma simples necessidade psicológica. São semelhantes, por que se você não estiver plenamente em "equilíbrio" com suas necessidades psicológicasa você pode enlouquecer, ou em casos extremos, morrer.

Mas é a aí que acontece o truque.

Até onde, melhor, até que ponto podemos dizer, na sociedade capitalista, "isto é necessário, isto não é."? 

Mas voltemos a primeira.

Nós colecionamos coisas, muitas vezes por hobby. Vou assumir esse recorte de análise por ser - Em questão de Quadrinhos - O recorte mais abrangente.

Ponto. Vamos para a segunda pergunta: Qual o valor daquilo que colecionamos?

Depende.

Esse lugar devia me pagar de tanto que gastei aqui...

Depende principalmente de uma coisa chamada fetiche da mercadoria, mas não vem ao caso agora. Vou dizer, que depende do valor que você psicologicamente atribui ao objeto que será vendido, no caso, os quadrinhos.

Não tem tanto a ver com o valor de lançamento proposto, mas com uma lei simples da economia que todo mundo conhece, a famigerada lei da oferta e da procura. Então vamos á nossa sessão Telecurso 2000:

Quando a demanda é alta e a oferta é pequena, quem oferece o produto, tem o controle da demanda e da oferta. 

Vamos fazer as coisas com um exemplo básico: 

Fernanda, aquela sua amiga da faculdade, é a menina mais bonita e atraente da sala. E ela vende trufas feitas pela prima, ela compra as trufas por duas Dilmas e revende ao módico valor de três Dilmas e cinquenta Aécios...



Essa é a Fernandinha, a menina que vende trufas...


Pois bem, Fernanda, a vendedora, vende trufas de todos os sabores, mas de sabores que você nem fazia ideia que existia em seu coraçãozinho...
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Aaaah moleque diabólico...

Fernanda vende trufas de pizza (essa saí bastante até), de jabuticaba, de pêssego, de uísque enfim, sabores deveras incomuns...

Bom, pois nessa sala hipotética (e hipnótica) existe outra vendedoras de trufas, a Ritinha...

E essa é a ritinha...
Olha que bunita a Ritinha... Essa faculdade é top de excelência no mercado.

Enfim... Ritinha vende trufas também, com sabores diversificados, contudo, menos raros...

Então suponha o seguinte: Por um golpe de fatores, a trufa de uísque é a mais desejada da faculdade, mas só a fernandinha vende, o que é que acontece?

O óbvio: a é uma criatura muito má e vai elevar os preços ás raias da loucura, por que não existe ninguém que venda trufas de uísque nessa faculdade (quiça em qualquer faculdade, até esse post chegar á público) e tem mais, ela comprou a trufa á duas Dilmas e vendia mais caro já, depois da demanda aumentar e com a falta de concorrência, ela agora vende a trufa á incríveis DEZ DILMAS.

Porra, mas dez Dilmas incomodam muito mais né...

Pois é.

E ainda não é só isso, com o aumento das compras de trufas de uísque, a Fê passou a vender mais de outros sabores também, inclusive acabando com a venda de trufas que a Ritinha tinha.

Então vejamos.

Aumenta descontroladamente o preço e ainda acaba com a rival. 

As trufas da Fê não são lá aquelas coisas, mas não tem ninguém que venda, nem que venda mais barato. Então ela pode deitar e rolar, junte isso ao fato de que comer a trufa da Fê, ficou muito popular, todo mundo comia e se criou uma marca e essa marca foi atrelada a status social. Criada a marca e com o Capital acumulado, Fernandinha abriu o negócio, já teve gente que reclamou que a trufa veio com cabelo, mas teve que comer...
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Alô! É da polícia? Sim, sim, gostaria de fazer uma denuncia... Sim, isso mesmo, gostaria de denunciar uma quantidade absurda de duplo sentido em um parágrafo só. Sim, sim, eu espero...

Jesus de Nazaré...

Enfim, mas tudo isso pra quê?

Ora essa, é EXATAMENTE ISSO que está acontecendo com o mercado das HQs hoje em dia.

Como disse o texto, na maior parte das vezes, você compra uma HQ por puro colecionismo, não mais para ler e se divertir, ou tirar algo de proveitoso disto, se não for por colecionismo, é por força de uma cultura ao redor do núcleo nerd, por assim dizer, todo um mercado é criado ao redor disso, pense em quantos dias se passaram em que você não esteja na onipresença de um super-herói? Veja, eu sou capaz de apostar, que você viu pelo menos um super herói em algum lugar hoje. Seja na internet, seja na TV, seja na rua, seja numa loja, numa camiseta etc...

A ideia de super-herói tomou proporções panópticas, estão em todos os lugares. E por quê?

Uma palavra: Mercado.

O mercado de HQs - E veja, só estou citado o de HQs, esqueça bonecos, camisetas, desenhos e filmes - está sofrendo de uma hipervalorização cultural E monetária.

Perceba que a pergunta: Qual o valor daquilo que colecionamos? É muito complexa. depende de uma série de fatores.

Mas respondida esta, vamos a pergunta final: Por que deveríamos parar de colecionar?

Aqui a coisa fica mais pessoal, do meu ponto de vista.

Colecionar quadrinhos é um vício, como cigarro por exemplo (se você coleciona e acha que não, olhe na sua estante agora e pira com um arco dos X-Men incompleto, flw, bj). Você para se você quiser. Mas voltando a analogia das vendedoras de trufas.

Digamos que uma hora, os caras desistiram de comprar as trufas, por que perceberam que o preço tava muito salgado. Que é que acontece? Ou a Fernanda abaixa os preços, ou ela vai a falência. 

É a mesma coisa. Seria sugerir um boicote? Talvez. Mas não sei se os nerds são tão organizados para fazerem tal coisa. O que deveriam ser, mas não, tanto é que tá a Comix e a loja Mundo Geek aí fazendo miséria e enfiando uma pexêra de um metro no buxo dos nerds todo dia...

Então?

O que pode acontecer é surgir uma nova personagem. Então vejamos, temos a Fernandinha, vendedora sem escrúpulos, (Comix, Mundo Geek) a Ritinha (sebos, bancas e livrarias) e os alunos compradores (os nerds). Mas eis que surge um quarto personagem:





(Por essa ninguém esperava heim? Háa)

*Caham*

Bom, esse é o Gustavinho, vulgo, Gu. Ele vende trufas de qualidade maior e a preços muito mais accessíveis (aí, sempre quis escrever isso) aos seus caros colegas, tudo isso com muito estilo e claro, sua indefectível Walther PPK...

O Gu desbancou o mercado de trufas da Fernandinha, e com o tempo, a Fernandinha teve que se adaptar aos preços módicos e vender sua trufa á três Dilmas e Cinquenta Aécios... Com o tempo, a Ritinha até voltou a vender trufas e tal...

Bom, eu parei de comprar HQs por que percebi uma verdade óbvia: Eu estava sendo roubado.
Por mais que eu goste de quadrinhos, quando a corda aperta, os supérfluos são os primeiros a serem cortados da economia doméstica. E estamos em um período onde a corda econômica está pra lá de apertada.

Mesmo assim, foda-se, os caras não tão nem aí. A lógica é a seguinte, pode comprar? Beleza. Não pode? Foda-se. 

E sim, isso é o capitalismo, mas se tratando de quadrinhos, nem sempre foi assim. Prova disso é que crianças e adolescentes eram as maiores colecionadoras.

E mesmo com a economia melhorando, não compro mais HQs por que os preços vão continuar nas alturas, e a não ser em caso de aparecer um 007 vendendo mais barato, vai continuar tudo na mesma. Acontece que eu percebi outra verdade óbvia: Quadrinhos são, na sua maioria, produtos supérfluos, exceto os quadrinhos com certo valor artístico, o que sai na banca todo mês - e que já está seguindo as leis de aumento de preço do mercado - É algo que passou a ser reciclável, vai ser por que assim que sair o arco, algum tempo depois ele perderá o valor por que:

1) Vai ser reescrito, assim como o Guerra Civil da Marvel, que será reescrito para poder acontecer a adaptação no cinema, aí cabe a palavra mágica...

2) Vai sair o encadernado, no mínimo cinco vezes mais caro, apenas pela questão do formato e da demanda.

Então, por causa disso tudo, eu parei de comprar quadrinhos mais mainstream, por assim dizer. É um processo que demorei a fazer e que muitos já me recomendaram. Agora se você deve ou não, fica á seu critério.

Isso por que eles brincam muito com essa coisa de coleção completa, arcos absurdos, continuidade, necessidade e contingência, cultura descartável e tal. Por exemplo, se eu perdi tal arco, vou conseguir acompanhar o Batman daqui pra frente? 

Bom, mas isso já é assunto pra outro post.

*** 

Então é isso, espero que tenha sido útil de algum modo, se curtiu o texto, dá uma força aí e compartilha no face e tal, e até o próximo post se Aslan quiser.


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